domingo, 15 de abril de 2007

RODOANEL E O PORTAL DAS ÁGUAS: SIGNIFICADOS

Está instalada a polêmica sobre a construção do trecho Sul do Rodoanel, que irá abraçar a Grande São Paulo. De um lado, estão aqueles que enxergam a obra como um vetor de desenvolvimento, lembrando ainda sua importância para a melhoria do trânsito na capital, por conta da retirada de milhares de veículos, principalmente caminhões, do tráfego urbano. No canto oposto situam-se aqueles que apontam o perigoso impacto do Rodoanel sobre o meio ambiente e sobre culturas ancestrais, com seu rastilho de ocupação desenfreada de terras e de especulação imobiliária.
Tome-se o caso de duas aldeias indígenas na região de Parelheiros, onde vivem cerca de 900 índios pessoas, que sofreriam com o afluxo descontrolado de gente e de veículos. As perdas seriam ainda maiores levando-se em conta o impacto da especulação sobre os mananciais, abundantes na região, que é conhecida como o “portal das águas” de São Paulo.

A questão deve ser analisada sem paixões. A região de Parelheiros, uma das mais carentes da capital, certamente precisa de investimentos e de apoio. Contudo, é falso imaginar que isso será possível apenas com a construção de uma alça de acesso ao futuro Rodoanel. O problema é que a nova alça poderá ser extremamente negativa para Parelheiros e sua população, ao trazer consigo a especulação imobiliária e o avanço sobre as áreas de mananciais, tão preciosos para São Paulo. É só analisar o impacto de uma ocupação aloprada exatamente agora, quando entrará em vigor a nova lei estabelecendo critérios para a cobrança do consumo de água por empresas e propriedades rurais.

Parelheiros e a vizinha região do Marsillac representam exatos 24% do território do município de São Paulo. Ocupando área de 360km2, os dois distritos são constituídos por zonas predominantemente rurais ainda produtivas. E 60% de seu território são cobertos pela Mata Atlântica remanescente. Estamos falando, portanto, do pulmão verde da metrópole. Cerca de 30% dos recursos hídricos potáveis que abastecem a capital têm origem nesta região.

Os números são eloqüentes, mas essa riqueza já começa a ser ameaçada. A facilidade de acesso à região aumentará, com o recente lançamento da estação de trens urbanos da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) no Grajaú, interligada ao metrô. Isto, claro, é muito positivo para o cidadão e para toda a região. Mas é preciso assegurar que haja um desenvolvimento sustentável; que a facilidade de acesso não leve à ocupação desenfreada de áreas protegidas e que o crescimento populacional não supere o 1,5% ao ano que é a média da capital.

Hoje, diante de uma fiscalização inadequada, o que dificulta a aplicação eficaz da lei, a regra é a ocupação desorganizada, com o incremento anárquico dos cerca de 70 loteamentos clandestinos já existentes, além da crescente contaminação dos mananciais. Perdem todos, perde São Paulo.

A população brasileira cresce hoje 1,8% ao ano. No extremo Sul da capital, o crescimento atinge 8,6%, enquanto em áreas centrais ele estagnou perto de 0%. Mas deixemos o pessimismo de lado. Parelheiros, Marsillac e a futura Área de Proteção Ambiental (APA) Itaim Bororé têm solução. É preciso que a cidade coloque a preservação de seus recursos naturais como prioridade, definitivamente. É necessário evitar que a região se transforme no espelho dos vizinhos M’Boi Mirim e Grajaú, que enfrentam graves problemas sociais e de segurança, além de também estarem inseridos em área de mananciais.

Grileiros de terra de plantão negociam propriedades públicas e privadas de forma irregular, que se transformam rapidamente em favelas e áreas de risco com enorme custo social, econômico e político. Sem um conceito de desenvolvimento integrado da metrópole, a desvalorização do solo urbano e a oferta de imóveis irregulares a baixo custo tornam-se atrativos para os falsos sonhos da casa própria em área de manancial.

A região precisa de investimentos, mas asfalto ou estrada não é os único requisito para o equilíbrio econômico. Se o objetivo é que todos os indivíduos tenham uma vida digna, é preciso investir na promoção social autônoma, sem assistencialismo. Tão importante quanto o respeito à cultura indígena e ao direito de locomoção dos índios de Parelheiros, que constituem um patrimônio cultural intangível, é a qualidade de vida das cerca de 200 mil pessoas da região ou dos quatro milhões de habitantes da capital que dependem diretamente da água desses mananciais.

O Rodoanel é necessário, sim, mas contando com parques lineares de 300 metros de extensão nas laterais, incluindo os parques naturais, transformados em unidade de manejo florestal e de lazer para gerar economia local, gerida por uma Fundação de gestão compartilhada. Inclusive com a participação da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário SA), dos usuários e dos habitantes das aldeias indígenas. Estas medidas, de implantação imediata, se transformariam em uma barreira de contenção e controle territorial, preservando efetivamente os mananciais da cidade para o futuro. O debate está aberto. Original publicado pelo ESP,4/01/06.

Comentário: No final de 2006 a realidade do Rodoanel continua desafiando o futuro. Continua urgente a delimitação dos 4 Parques Naturais no território do Município e a Estrada Parque de forma a transforma-lo em uma unidade produtiva para a região e uma barreira de contenção e controle da ocupação irregular dos mananciais do sul. Ó contrato DERSA-PMSP deve ter acompanhamento da sociedade civil organizada e se aplicar a cobrança do pedágio a população local deve exigir a constituição de um fundo para financiar uma Agencia de Desenvolvimento Sustentável dos Mananciais.

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